A invenção de Hugo Cabret, de Brian Selznick.

No primeiro momento, o infanto-juvenil encanta pela beleza. Muito ilustrado, os desenhos feitos pelo autor, em carvão, são muito expressivos, e, em alguns momentos, conta partes da história, quando as palavras são supérfluas.
O enredo poderia ser um pastelão: menino órfão e pobre que trabalha para o tio beberrão numa estação de trem inglesa, vive sujo de fuligem e pó... Qualquer semelhança com um certo Oliver Twist? Mas ao invés de uma trama boba, mera cópia do clássico, o livro envolve o leitor, que não consegue se desprender das páginas cinzentas.
Hugo rouba brinquedos para entender seu mecanismo, e dia após dia se torna mais entendendor das engrenagens, no quarto escuro em que morava com o tio numa estação de trem londrina. Até que um dia é pego pelo velho ranzinza da loja de brinquedos, e tem seu caderno secreto apanhado. A neta do dono da loja promete ajudá-lo a recuperar seu tesouro, desde que ele partilhe seus segredos... e é aí que a história se faz como uma malha, de fios de histórias entrelaçados, encantadores e surpreendentes.
O livro é só um estopim, para muitas outras artes que a história permite, e instiga. O dito infanto-juvenil é para qualquer idade, para quem se permite sonhar, e acreditar.

SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: SM, 2007.


Breve Explanação [ou Por Falta De Vergonha Na Cara Eu Explico O Que Não Precisa Ser Explicado]

Veja bem. Quem lê isso? A Jaya linda, talvez? A Lulu (as ever)? Eu não preciso dar explicações pra vocês, mas vamos fingir que esse é O BLOG? Então vamos.
Durante aquela fase sombria, eu fiquei muito tempo sem ler nada. Nem Mafalda! E numa noite, minha mãe viajando, eu só e sem energia elétrica, eu encasquetei de ler a luz de velas. E foi revolucionário.
Eu me senti como quando eu tinha 12 anos e lia debaixo da cama, escondida da minha vó, com uma lanterna. Aliás, isso me lembra que os livros proibidos me encantam (e não li "Em nome da rosa"), e que na minha casa sempre teve muito livro, mas tinha uma estante de livros "proibidos". E foi escondida que eu li, pela primeira vez, "O mundo de Sofia". Lia um tanto por tarde, depois do almoço, antes da minha mãe chegar. E ia aplicando, que nem a Sofia, a filosofia. No Lego, nos quatro elementos, sobre coelhos e pulgas. Foi a minha iniciação na filosofia, sozinha.
Foi a minha iniciação na estante dos livros proibidos. Até então, só havia "Alice" e a "Fantástica fábrica de chocolate", "O menino do dedo verde" e "As histórias da velha Totonha". Foi surpreendente descobrir que os livros falavam de sexo, de morte, do sobrenatural. Foi incrível descobrir que as pessoas são más. Deliciosamente más.

Mas enfim. Deve ter dois meses que comecei a ler, e desembestei. O propósito era terminar de ler, e resenhar, comentar ou dizer sobre. Claro que não fiz isso. Tentarei lembrar de todos e das impressões que me causaram, e prometo não abondonar esse blog.
Então, me leiam. Leiam eles. E me digam.

A arte de produzir efeito sem causa, Lourenço Mutarelli.

Eu não escolheria ler o Mutarelli agora, de jeito nenhum. Eu sabia que seria pesado, eu sabia que não podia contar com um livro que me animasse, mas ele veio até mim, e essas coisas a gente não escolhe.
De qualquer forma, o livro foi o que eu precisava, de forma intensa e logômana, ele tem um ritmo ensandecido, cheio de idas e vindas, me absorveu e dois dias depois, tinha sido devidamente devorado (e expôs todas as feridas que lhe cabia expor).
Resumindo, um cara - Júnior - larga o emprego e o casamento, volta pra casa do pai, bebe conhaque e fuma em doses cavalares. Dividido em livro 1 - Efeito - e livro 2 - Nonsense -, acompanhamos Júnior em dois momentos muitos distintos, os dois de queda, mas em velocidades diferentes (e vertiginosas); como isso afeta o seu comportamento consigo mesmo e o quanto é afetado pelas pessoas à sua volta, ainda que ausentes - só pra provar que ausência física não cura feridas, não é garantia de esquecimento, muito menos de perdão.
Não tenho certeza, mas acho que o personagem principal seja a psique do Júnior, o que não deixa de ser a psique de todos nós, em certa medida.

Perturbador, ousado, cruel, nauseabundo - e por isso mesmo visceral, intenso, atraente. Como um baque seco, o livro esclarece muitas coisas pelo modo mais dolorido, não acho que deva ser lido em dias de crise ou quando há excesso de desesperança. Mas quando os pés bambeiam, é bom saber que tem coisas ainda mais pesadas, ainda mais intensas, pra se sentir nublado, e com força nos pés. Não é?

MUTARELLI, Lourenço. A arte de produzir efeito sem causa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.




(E, obrigada, estou certa de não estar louca, nem em vias de.)

Histórias de cronópios e de famas, Julio Cortázar.

Fazia tempo que eu não sabia amar tão bem um escritor. Sem querer, achei um livro dele, que fazia um monte de referências a cronópios, famas e esperanças. E como uma surpresa, esse livro me fez cair de amores.
Quem nunca foi cronópio, ou fama, ou esperança uma vez na vida? Quiçá, todos os dias. E se você for como eu, já vai correr para um dicionário, a fim de descobrir bem logo quem raios são esses. pois não perca tempo, eles não estão dicionarizados. E, quando estão, tem nada que entender, com os tais do livro.

Julio Cortázar fez uma das coisas mais lindas de se ler nesse livro, uma delicadeza, uma sutilidade. São contos breves - alguns não chegam a ter meia página - e intensos. De criar sorrisos nas caras e pensar bem: ah, eu já fiz isso.
São contos de pensar, de rir, de desejar - e, confesso - alguns de não entender, pelo menos nessa minha cabecinha.

Recomendo Cortázar pra quem perdeu as próprias palavras, ou nem nunca tinham tido um relacionamento estreito. Os mistérios e levezas fazem as idéias pularem, ferverem, são jorros criativos. (eu, particularmente, acho que todo ser vivente deve lê-lo uma vez, que seja. Ou duas, os três, porque o livro ainda tem aquele mistério de se transmutar a cada leitura.)



A juíza sem juízo do reino do IêIêIê adverte: esse livro pode causar arroubos, fugas e gargalhadas descomedidas em locais públicos e privados.

Como me tornei estúpido, Martin Page.


Quem nunca pensou numa lobotomia de risco que atire a primeira pedra. Às vezes simplesmente cansa. Pensar tanto, sofrer tanto. Uma alegria torpe e inconsciente é tudo que falta para uma boa vida. Ou não?

Nesse livro curtinho, rápido e bem humorado, Page narra a história de Antoine, que por pensar demais, decide ser estúpido. Anti-depressivos e uma vidazinha medíocre são a solução racional que o personagem encontra para aliviar as dores de consciência que todo bom mortal já teve. Oscila entre o trivial e o tenso, a todo minuto. Admito que tem umas passagens bobinhas. Mas tem longas cenas que eu, você e todos nós nos encontramos, na pele do malfadado Antoine.

Vale a pena pelo dilema existencial. E, se duvidar, pra gente parar de reclamar de tanto pensar/ sofrer/ sentir.


PAGE, Martin. Como me tornei estúpido. São Paulo : Rocco, Safra XXI, 2004.

Pra ler, escrever, ler.

A idéia é que muitas pessoas escrevam sobre o que estão lendo. Indicando, recomendando, ou simplesmente metendo o pau.
Espero poder inaugurar em breve.

Interessados, falem comigo.